Mika, 5°

09/11/2011 22:43

No fim da tarde a jovem estava coberta de poeira e um cheiro irritante de cravo da índia. “Muito bem! Volte amanhã às nove horas” disse Edna enquanto dava uns trocados para a jovem, empurrando-a gentilmente para fora de sua loja.
“Vinte reais?” olhou indignada para suas mãos “O que vou fazer com isto?”, foi até seu pai. “Então, como foi o primeiro dia de trabalho da minha garotinha?” perguntou o pai, orgulhoso de sua filha, parecia nem ter notado o quão suja e cansada ela estava. Mika pôs-se a chorar “Ganhei vinte reais por passar o dia limpando a loja para aquela louca!”, seu pai ria enquanto a consolava “Calma, você vai ganhar vinte reais por dia para comer, e no fim do mês ganhará mil.” “Ridículo! Nunca fui tão explorada em minha vida!” “Explorada?” interferiu o pai “Meu ajudante ganha seiscentos ao mês e cinco ao final de cada dia.”. Mika olhou indignada “Que crueldade papai!”. Ele ria da inocência dela “Não minha garotinha, é a realidade.”
No segundo dia de trabalho Mika espantou-se com a quantidade imensa de pessoas que conheciam aquele lugar perdido no mundo. A loja em si era difícil de visualizar por fora; uma portinha sem graça e cortinas cobrindo a vitrine impedia de saber sobre o que era, sem nome nem nada.
Espantou-se também com as pessoas que iam lá, estranhas e diferentes e ela nunca as havia notado na cidade antes. Desde hippies até góticos, também uma mistura de ambos, compravam as coisas mais sem graça, e no ponto de vista de Mika, fora de moda. Ela ria ao ver uma mulher comprar uma luva azul clara cheia de plumas de um cheiro azedo, por dizer que traria sorte.
O mais comum eram as peças feitas à mão por um preço absurdo apenas por conter algum certo “poder”. Marcante foi o dia que uma jovem foi até lá desesperada, dizendo que havia sonhado com um colar de ametista amarelo, e se não o suasse estria completamente vulnerável as forças do mal. Edna simplesmente entrou no depósito, colocou um pingente oval de pedra amarelada em uma gargantilha de segunda classe, e a jovem pagou quase quinhentos reais naquilo.
Mika contava tudo ao seu pai enquanto morria de rir, ele também achava engraçado, mas levava a sério o que Edna fazia. Ele dizia que ela trazia paz para as pessoas, enquanto Mika achava que ela explorava a burrice dos outros.
Mudou-se para o apartamento de seu pai, ajudaria com um terço do aluguel e o resto era por conta dele. E sim, ela achava que estava lhe fazendo um favor.
Numa de suas conversas com Edna, Mika deixou escapar que às vezes sonhava com sua ex amada e reviviam momentos juntas. Edna lhe perguntou se tinha controle do sonho e Mika respondeu “Do sonho em si não, mas sei perfeitamente o que estou fazendo, e sempre sigo o roteiro”. Edna olhava-a intrigada, “Que roteiro?”, “Ah, você sabe, como tem que ser, como sempre foi”.
A velha pegou nas mãos de Mika e olhou fundo nos olhos noturnos da garota, e mesmo sem sol, por breves segundos ele acinzentou e ela sentiu uma leve tonteira. “Criança, você tem um dom” dizia a velha num tom temeroso “Nunca conheci alguém pessoalmente com um dom assim!” a velha ficou desnorteada, mancava de um lado para o outro olhando diversos livros rapidamente, e então balbuciou enquanto apontava para Mika ler uma página.